Da Poesia - ou É tudo amor
A poesia preenche a alma. Fui ao II Encontro com os Clássicos hoje e, apesar da demora, valeu muito a pena. Duas palestras brilhantíssimas ministradas por dois especialistas em Camões e Fernando Pessoa. As falas em si e as poesias lidas intercaladas foram de elevar a alma, meu espírito pulsou, até mesmo produzi dois sonetos durante o evento. Queria ter feito um comentário, mas fiquei com medo de não saber me expressar bem falando, como me é mesmo peculiar, e também pelo tempo que já estava se esgotando para comentários e questionamentos. Meu comentário seria sobre a diminuição que sentimos, ou que um poeta contemporâneo pode sentir, quando se depara com os clássicos, os grandes, os gênios; e também sobre o fazer poético, relacionado à essa diminuição... nem ousaria me chamar poeta/poetisa diante do sabor de Pessoa e Camões. Fiquei pensando que se o primeiro professor que palestrou se inscrever nesse concurso literário de BH, eu tô perdida. Mas ainda assim vou me inscrever.
Ultimamente ficar fora de casa tem sido fuga, alívio. Sempre que confrontada, eu não consigo olhar a pessoa normalmente, como se nada houvesse. Me fecho ainda mais. Recuo. Ostracismo. Distimia. prefiro fruir da poesia de hoje, ah, tudo tão bom, tão elevadamente elevado, não sei, não há explicação. Fiqumos com dois poemas que foram lidos lá, perfeitos (Camões e Pessoa):
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
-
Todas as cartas de amor são
- Álvaro de Campos, 21-10-1935
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Não sei se todos tem isso, mas o que senti hoje foi um contentamento inexplicável e elevado pelas falas e poemas lidos. Ah, e o piano que lá estava... mais uma vez viajei na ideia de estar tocando-o, tocando exatamente esta música:
O poeta é artista. Achei magnífico quando o primeiro palestrante explicou isso e pediu silêncio em respeito à obra de arte que ele leria a seguir. Magnifique. Fico pensando se chego lá, a ponto de ser lida dessa forma tão nobre e respeitosa. Não estou publicando nada meu porque quero por coisas inéditas na obra para o concurso. O prazo está acabando, mas com a graça dEle, terminarei de digitar e terei grana segunda-feira pra imprimir. Amém.
Comentários
Tenho uma paixão particular por essa das cartas de amor. Tinha uma música que Maria Bethânia recitava ela como ninguém... desde aí, me apaixonei por ela...