Meias
Photograph, by Ed Sheeran
Passei o dia de meias. Senti falta de uma garrafa de vinho. Não fez frio nem calor, detesto esse tempo. Não passei desodorante, não penteei cabelo, nada. Estou até agora com um calção do meu marido, uma camiseta velha, as meias, os chinelos. As meias me mantém aquecida. Mas se nem fez frio... quero dizer, não sei se fez porque instintivamente fiquei com as meias com as quais dormi o dia todo, o que me impediu de sentir frio, então sim, provavelmente esteve frio, mas esse friozinho mormaçado daqui.
Sinto falta do frio mesmo. Do calor do quarto e das roupas, a cama que convida a um livro, um vinho, uma transa. Eu e ele estamos em sintonias diferentes. Não me sinto nada velha para me entregar, mas as pequenas mudanças que penso em fazer me dão preguiça só de pensar. Porém, vez em quando que saio da inércia e algo faço, vêm-me essa sensação boa de realização, dever cumprido. Pode ser caminhar um pouco, fazer exercícios nos aparelhos quebrados da pracinha, ler, escrever aquele memorial da seleção de mestrado. Terminei hoje de lançar as aulas lecionadas no diário escolar digital de mais uma turma, mas não obtive essa sensação. Fiquei na ... (pensei em completar essa frase com a palavra permuta, mas não faria sentido. Ou faria? estou perdendo o léxico, se é que isso é possível...).
Sinto faltas, muitas. Uma delas é de algo que nunca obtive de ninguém, algo que alguém dá voluntária e altruistamente. Um tipo de intimidade e toque físico que não dá nem para explicar, que não sei nem se são essas palavras, essas coisas que quero ou preciso, ou da qual sinto falta sem ter tido. Mas sinto as minhas faltas, em sentidos. Todos.
Não me basto. Mas queria ter morado sozinha, queria ter viajado, queria blá-blá-blá... viajando no passado que não pode ser mudado, como sempre. A agonia de não saber o futuro estagna o meu presente. Piso em ovos, talvez por isso as meias. Ah, hoje me vi numa casa nos Alpes Suíços, tomando uma bebida quente, fumando até, que bizarrice... mas certeza que apreciaria a vista nevoenta, o silêncio, a solidão.
Aprecio a solidão, mas não a sei desfrutar, por certo. Nunca me conformei com certo estado civil, mas sempre meti pés pelas mãos nesse assunto. Assentei-me, por fim, mas minhas inquietações não cessaram. Não cessam. Gosto da aliança dourada no dedo. Gosto de ser mãe, mas tenho me decepcionado comigo mesma, o que me leva a pensar que não me conheço. Até quando conviverei com uma pessoa que não conheço? Ora, pra sempre, pois livrar-me de mim mesma não posso. Poderei me livrar dos outros? De coisas? Viver sem o que me irrita, me faz mal, me dói? Se tudo está na memória, como me livrar?
Passei o dia de meias, em clima já de inverno pessoal e férias. O trabalho chama de volta mas o que não me traz sustento me pesa será o certo a continuar a fazer? Entende? Não né... Sinto faltas de meias até os joelhos.
Bye.
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