Carta pelos 300 anos de Minas Gerais
Belo Horizonte, 02 de dezembro de 2020
Caros cidadãos mineiros,
Meu
nome é Rebeca, tenho 37 anos e sou professora de inglês da rede estadual de
ensino público, em Belo Horizonte. Não sou mineira, nasci na cidade serrana de
Petrópolis, no Rio de Janeiro. Pequena ainda, me mudei com meus pais e irmão
para a grande São Paulo, onde permaneci até 2006. Nesse mesmo ano foi que
comecei a conhecer Minas: me mudei para a cidade de Viçosa para estudar na
Universidade Federal de Viçosa, onde me formei em Letras em Janeiro de 2011 –
“Dias na raça, noites no grau, em Janeiro meu diploma é federal!” e assim foi.
O paraninfo de minha turma foi o então presidente do Brasil Luís Inácio Lula da
Silva, cuja mão tive a honra de apertar na cerimônia de colação de grau. Tudo foi
muito grandioso durante a minha vida acadêmica, mas, uma vez formada, as coisas
mudam, acordei da Matrix, por assim dizer. Já estava lecionando em um curso,
dei aulas em cursinho e em escolas públicas. Passei no concurso para professor
de 2011, fui chamada em 2015 e me mudei, já casada e com uma filha, para Belo
Horizonte. Aqui escolhi aleatoriamente para trabalhar a escola que formava
normalistas, o Instituto de Educação de Minas Gerais. Não de Belo Horizonte, de
Minas!
Isso
foi Minas para mim, é, e está sendo: lar, local de futuro, local do meu
presente, do meu encontro com a profissão, sem mistérios e sem rodeios. Minas
me deu minha família, meu destino, meu chão. Minas me deu alunos, incontáveis
alunos que posso dizer que amei e amo. Minas me deu esse sotaque inconfundível
e carregado, é só ir a São Paulo visitar a família que todos percebem que eu me
“amineirei”. Minas me forjou na lida do dia a dia dessa que é a mais importante
profissão, arrisco dizer, e a menos valorizada, sem clichê: como bem disse
Chico Anísio com seu inesquecível Professor Raimundo, “E o salário, Ó!”.
A
batalha pelo salário de todo mês tem sido travada desde sempre, desde que entrei
no funcionalismo público. Vendem para nós a imagem da estabilidade, porém são
tantas lacunas, tantas coisinhas, tantos sofrimentos que a estabilidade nem
conta muito nessa caminhada. O que muitas vezes compensa o trabalho é o aluno.
Quando aprende, quando se forma, quando lembra da gente, quando se empenha,
quando participa, quando pergunta, quando entra nos projetos, dança, canta, sapateia,
dá mortal, apresenta trabalho, enfim, quando é aluno pra valer! Quando, depois
de passar pela escola, vai viver sua vida com dignidade e confiança, sabendo
que é livre para fazer suas escolhas, que pode mais, que pode ir além.
Tivemos
esse ano um tempo atípico, um momento tenebroso, de grandes e reais perdas. A
iniciativa da Secretaria de Educação de criar os PETs – Planos de estudos
Tutorados – se deu como forma de suprir a necessidade de reestabelecer a
relação aluno-professor agora à distância por conta da propagação do novo vírus
que assolou a humanidade: corona. Através desses planos, o ano letivo
ressurgiu, porém os problemas que foram surgindo fizeram com que nem todos os
alunos enviassem suas atividades. Problemas sociais, muitas vezes ignorados ou
amenizados, se fizeram ver: falta internet, falta celular, falta computador,
falta saber usar, e não só para os alunos, mas também para o professor.
Reinventar-se virou a palavra da vez!
E
as emoções, como ficaram? Muito mais à flor da pele: ansiedade, depressão,
tristeza, medo, raiva, angústia que acometeram a todos. Tudo fechado, ruas
vazias, o abraço não mais podia. Escolas, as primeiras instituições a se
fechar, as últimas que vão se reabrir.
Nos
reinventamos como profissionais do ensino. Aulas online, gravações, vídeos,
lives, reuniões online, grupos de whatsapp, google classroom. Aprendemos a usar
ferramentas e tal. Mas e o aluno? Começaram animados, enviando suas atividades.
Quem não podia enviar pela internet foi instruído a fazer no papel e guardar
para mostrar depois. Parecia tudo muito fácil, tudo muito bem, mas agora não
mais estávamos tão perto do aluno para saber de seus problemas em casa, suas
angústias, seus medos. Não estávamos lá para dar um abraço, um aperto de mão,
um olhar e dizer que tudo ia ficar bem. As ligações e recados foram sempre
cobrando as atividades... será que exageramos? Chegou o setembro amarelo e toda
a sociedade se mobilizava a favor daqueles que desenvolvem depressão, mas será
que nos mobilizamos o suficiente? Em uma ligação, uma notícia aterradora que
nos obrigou a cortar o nome de uma aluna da lista. Seu nome tirado do sistema,
da lista de presença, do classroom. A campanha do setembro amarelo falhou com
uma de nossas alunas. Confesso que ainda não consegui tirar o nome dela da
minha lista.
As
perdas se mostraram maiores e mais pesarosas nesse ano, quando nem os velórios
podiam ser realizados, nem um último adeus a quem amamos. O sofrimento do luto
multiplicado pela dor da distância e da impossibilidade da última homenagem. O
prefeito da capital foi duro e firme, ameaçou até fechar a cidade. Não foi
preciso. Mas com a reabertura de um comércio aqui, um restaurante ali, um bar
lá, as pessoas ganharam confiança e voltaram com tudo para as ruas. Para quê? A
contaminação voltou a subir e assim fica, no sobe e desce, um semáforo louco
que oscila nas cores verde, amarela, vermelha... um caos.
Nesse
fim de ano, aos poucos, vamos nos movendo em direção a uma vacina, uma cura,
mas o ano de 2020 está marcado para sempre em nossa história.
Ufa!
A
lição mais importante que tiro de tudo isso é ficar vivo. No matter what. Vamos permanecer vivos no que depender de nós e na
pandemia depende muito, podemos controlar, podemos ajudar!
Minas
não tem mar, mas tem bar, dizem os amantes da boemia.
Minas
é isso, sempre foi e será para mim: o lar que me acolheu. Terras montanhosas de
ladeiras infinitas, um “logo ali” de mineiro que nunca chega, um pão de queijo
com café, o rocambole de Lagoa Dourada, a feira hippie, o parque municipal,
desafios, paisagens... vida que segue, e que siga sempre sem parar, apesar de
tudo. Pois para além de mineiros, somos brasileiros, não desistimos nunca!
Parabéns
Minas Gerais!
Um
grande abraço.
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