A garrafa de café

Eu amava a garrafa de café. Coisa linda. Era preta, ela. Simples, compacta, sem frescuras. Reta, direta. Preta, séria. Dizia logo "café" com seu ar de garrafa de café, inconfundível. Não dava para pensar que era de chá, de suco, de qualquer outra bebida que não o meu café. O meu café ficava bom nela até o fim, até quando era do outro dia, até quando estava frio. 

E eu quebrei a garrafa de café. 

Queria no ato era quebrar outra coisa. Mas a coisa eu não podia quebrar. Não seria bom, nem moral, nem legal, nem ético. Podia mandar a coisa para o hospital. A coisa desviou, chamei de covarde. E é. Mas a garrafa de café, ah! pobre garrafa! Era a coisa que vinha durando esses sete longuíssimos anos aos quais declarei guerra. E na falta de bomba, tiro e porrada, a pobre pagou o pato, levou a pior. 

Chorei. E foi pela garrafa de café. 

Peguei-a na esperança de haver jeito, mas jeito não havia, pois a pobre estava completamente estilhaçada por dentro. Engraçado, mantinha-se intacta por fora, com sua pose forte, sem rachaduras nem nada. Quem a visse assim, diria que vai muito bem, obrigada. Mas, qual nada, por dentro, estilhaçada a pobre. Não havia mais utilidade - ou haveria? Precisaria de uma troca de alma, de vida. Precisaria de outro rumo. 

Chorando, pedi desculpas à garrafa de café, guerreira que era. Eu amava a garrafa de café que por dentro, agora, estava morta. estilhaçada, em picadinhos. Quantas vezes pensei em jogar notebook ou celular na parede e feliz veria os dois objetos se espatifando no ar, seria uma visão do paraíso para mim. No entanto, no momento em que lancei mão da pobre garrafa, me doeu a alma. Em prantos, pedi-lhe desculpas. Já não era a mesma, e a culpa era toda minha. Tinha enfrentado e resistido bravamente a tantas mudanças de casa, de cidade, de humores. Jamais havia sequer caído no chão por descuido, era coisa, talvez a única, objeto de cuidado. Tinha sido barata, eu não dera nada por ela, achei que não ia durar, e lá se foram sete anos. Já nem deve existir mais o modelo. 

Ainda estou em prantos pela garrafa de café. Era preta, ela. Linda. Eu amava a garrafa de café que depois de sete anos, estilhaçou-se. Espatifou. Por fora, ainda bela viola. Por dentro, já não a reconheço. 

Não reconheço mais nada. Ai, garrafa de café, me perdoe. Eu te amava. 

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