Diário dos dez dias - dia 1
Peguei o atestado ontem, e o prazo começa de ontem, mas como fui trabalhar, considero hoje o primeiro dia. Vamos lá.
Na sexta-feira, dia 27 de maio, estava eu em sala, falando sobre Fashion, capítulo 2 do livro Become 9º ano, passava um vocabulário sobre types of cloth. Um menino deu um tapa na nuca do outro, uma brincadeirinha tão leve e saudável, não é mesmo? Mas o outro não levou na brincadeira e começaram a se socar, literalmente em sala. Eu fui com o livro para cima deles, mas vi que a briga não ia parar, portanto me afastei. percebi que alguns alunos começaram a filmar e pedi que parassem, mas obviamente eles não atenderam. Pedi que o vice-diretor fosse chamado, ao avistá-lo, fui ao encontro dele, ao passo que na sala os alunos arrumaram todas as cadeiras e carteiras que os lindos brigões derrubaram. Quando cheguei à sala com o vice-diretor, com quem estava falando da briga, alunos começaram a relatar o ocorrido e a atenção dele voltou-se para eles. Fiquei lá na sala enquanto ele saía com os brigões, sem saber o que fazer. A faculdade também tinha que ensinar sobre isso, né! Nossa, a formação do professor é tão precária!
Peguei uma cadeira e sentei do lado de fora da sala. Alguns vieram ver o que eu estava arrumando, mas como eu já estava em um processo sobrehumano de tentar esconder lágrimas e meu rosto avermelhado, peguei minhas coisas e desci para a sala dos professores. Depois de um tempinho, pensando já ter me acalmado, subi para a outra sala quando o sinal bateu. Ao começar a falar, minha voz embargou, a garganta seca começou a fechar, um fiapo de voz tremida e chorosa saía e eu só disse que não tinha condições de fazer nada naquele dia. Nisso, os alunos me olhavam abestados, alguns até rindo. Como se eu estivesse fazendo algum drama, ou interpretando alguma coisa. Como se a minha reação a uma violência descabida no meio de uma aula fosse igualmente descabida. Alguns deles também já tinham visto o vídeo, questão de segundos depois já sendo postado e compartilhado e, claro, eu apareci. Vídeo de briga em escola, para eles, é fonte de diversão. Eu não consegui nem ver. Não consigo achar violência normal.
No sábado, começamos a repor aulas, outra violência contra o professor que, apesar do direito à greve, tem o dever de reposição posterior. Estavam lá alguns alunos da turma dos alunos do UFC discente que vieram "em nome da turma" me pedir desculpas. Agradeci e aceitei, mas eu já não estava bem, o agradecimento foi forçado, eu já não queria estar ali.
Ontem uma aluna me deu um bombom. Perguntei a ela quanto ia querer pelo bombom, pagamento ou pontos. Ela meio sem graça disse que não, que só estava me oferecendo mesmo. Eu sabia disso, sabia que não era interesse, mas o amargor que sinto desde então na boca, que desce, está me envenenando contra tudo e todos. Não sei de onde vem isso, penso que a briga foi a gota d'água de várias coisas que tem rondado minha vida nos últimos tempos.
Outro aluno veio me abraçar, eu me afastei, ele me abraçou forçado e faltou pouco para eu bater nele, se é que não bati, porque tenho tido reações tão inesperadas que nem a memória as está guardando. Medo de surtar em sala. Pensei em fazer um BO mas o policial me aconselhou a procurar aconselhamento com advogado, se eu quisesse realmente processar alguém, pois, sem provas, isso poderia voltar-se contra mim. O feitiço que nem fiz pode, e com certeza vai, virar contra mim, como sempre acontece com a categoria. Fazemos greve para ouvir que somos vagabundos. Engraçado, querem vagabundos ensinando os filhos?
E ontem, 31 de maio for the record, eu tive aula na sala dos brigões. Demorei um tempo para ir até lá e, quando cheguei, muitos estavam no corredor, para fora da sala. Como sempre faço, entrei e fui fechando a porta, ação que comunica aos alunos para entrar, o que alguns fizeram. Fechei a porta e comecei a detalhar um trabalho que já tinha mencionado antes. O que me abraçou forçado pus para fora e ele e outros que ficaram lá começaram a bater e pedir para entrar. Por fim, depois de muito me atrapalhar, abri a porta, mas coloquei a lixeira, que é grande, no lugar e disse que eles não poderiam entrar. Riam, como se fosse um grande circo tudo aquilo. A supervisora subiu para ver o que estava acontecendo, pois recebeu da direção a comunicação que havia alunos para fora de sala e supostamente, não havia professor. A briga ninguém vê, ninguém viu. Estranho né. Coloquei-os para dentro, a contragosto, mesmo porque a aula já estava para acabar, e para mim acabou naquele momento, fiquei perto da porta, só aguardando o sinal para sair. E assim, corri para o atendimento médico de urgência porque ninguém (da direção) perguntou, mas não, EU NÃO ESTOU BEM.
Tive que perguntar o que foi feito com os brigões, porque vi apenas uma conversa com eles e foi isso mesmo, pois ontem já estavam normalmente na sala e ainda tentaram me intimidar. Meninos de 14, 15 anos achando que são homens perigosos. às vezes sã, mas me dá uma preguiça isso, até vontade de rir. Piada.
Percebi, desde a sexta, que tenho respondido com grosseria aos alunos e, geral, que não tenho tido paciência e ao invés de focar na aula, fico muitas vezes batendo boca. Eu não sou assim, ou não era. E se não estou bem, as aulas não ficam bem também, o clima não fica bom. Não sei se dez dias vão resolver alguma coisas, mas já é um começo.
Dia 1 registrado e comentado. Hoje estou em casa, até agora, 08:51 em paz. Câmbio e desligo.
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