Chá, chuva, frio... noite


Chá, chuva, frio, noite: ela dormira o dia todo, praticamente. Passou mal ao subir o morro, o corpo lasso. Ficou com a calça de dormir de moletom molinho, cinza-escuro (a?) e a camiseta antiga do curso, preta, a primeira que havia comprado. O computador todo com vírus, o namorado falando que ia formatar e levar a gata embora. Estava prenha ou não? A gata, ela? As duas, era um possibilidade. Fora ao banheiro aliviar o intestino que funcionava quando queria. Funcionou, desinchou a barriga. Estaria prenha? A gata ficara fora o dia todo, passeando. Voltava pra comer. A dona pegou a gata, apertou-lhe a barriga: parecia sim mais rechonchuda, mas nem um movimento anormal de gatinhos. Na sua própria barriga também, nada de anormal, a não ser o atraso de ... melhor nem contar quanto tempo, era estranho, sei lá. 
Duas professora, ou melhor, ex-professoras, lhe enviaram e-mails, uma dizendo que ela deveria refazer o processo e acrescentar um outro, e a outra dizendo que achou o original do texto que ela lhe traduzira e que era pra pegar lá na sala dela, e quanto lhe devia. Problemas, só, ainda que não.
Fazia a revisão da revista da universidade, trabalhava... com o próximo concurso em mãos, sonhava trabalhar assim, no seu tempo, na frente do PC, sem chateações de alunos, apesar de que a sala de aula lhe fazia bem. Lembrou-se da noite anterior, quando fora dar aula exausta e tinha a impressão de que seria uma merda, ao que uma aluna, no final da mesma, disse ter gostado bastante da aula e não queria que acabasse. Com tanta desvalorização da categoria em todos os sentidos, sentiu-se feliz: fazia sua parte, o bem para a humanidade, ainda que em pequenas proporções. Valera a pena. 

Chá, chuva, friozinho. O corpo reclamava a idade, ou vice-versa. Percebera mudanças bruscas nos últimos dois anos: a queda acentuada de cabelos, o cansaço cada vez mais frequente, desânimo, falta de entusiasmo. Coisas, sim, que a acompanharam a vida toda, tirando a queda de cabelos, mas agora pareciam mais fortes, mais presentes. Era o corpo reclamando das besteiras sempre consumidas, da falta de exercício,  da falta de amor próprio, item emocional que o afeta diretamente. Sorriu. Sorriu porque parecia agora ter mais sabedoria sobre si, mais conhecimento, mais cuidado. Antes tarde do que nunca. 

Chá, chuva, friozinho. O namorado fez um resto de macarrão, comeu com salsicha frita. Ela ficou no chá com biscoitinhos. Tinham comido muitas bobagens, pão com mortadela, almoço com salsinha com molho, à noite tudo pesava e ela resolveu aliviar. Ele é diferente, normal, comum, comilão. Mas era interessante a convivência, como percebia que sempre tentava mudá-lo ou moldá-lo e não funcionava, e vice-versa. os dois tem que se moldar, mudar quando percebem tal necessidade, e vinham caminhando nessa perspectiva, ao menos tentando, desde então. Era por fim e antes de tudo um experimento antropológico, uma questão filosófica, um que sem mais: um amor racional. 

Comia enquanto chovia, enquanto escrevia, enquanto pensava, em quanto agia, enquanto ele televisão via. Os contos lhe saíam melhores quando pessoais. As poesias fluíam sempre, mas fazia tempo que não as escrevia. Pensava no palco, ainda, em quando pisaria num novamente, fosse para cantar (em coral) ou atuar, saudades imensas de atuar. Vira no site da capital um anúncio de seleção de figurantes para uma ópera (!!!), mas estava muito em cima, não poderia viajar pra lá. Ah, as amarras do sistema! Trabalhar é preciso, comer, viver, fazer sua rotina diária sem sair do lugar. Ah!!!!

Terminou as revisões, a chuva parou, o namorado dormiu, a gata também. Ainda era frio, eram 20h24. escreveu no blog enquanto a chuva repentinamente voltava. Voltou a jogar paciência, foi ver editais. Ah, o concurso de literatura! Seria seu? estaria prenha, a gata? Ainda pensava. Nas duas. Bye. 


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