Carta à excelentíssima escritora Adélia Prado

Belo Horizonte, 06 de setembro de 2023. 

Cara senhora escritora consagrada excelentíssima dona Adélia Prado,

Vou fazer quarenta anos em outubro e tenho pensado muito na senhora. Se me permite, sei que aos quarenta a senhora escreveu a Carlos Drummond de Andrade sobre seu livro, ou mandou para ele o livro, certo? Eu não tenho livro. Ou tenho vários, escritos à mão. Mas já passou tanto tempo desde que escrevi aqueles cadernos que nem tenho coragem de lê-los, me parecem datados, inúteis, lixo. Mas no fundo sei que podem ser algo, por isso guardo-os todos. Recentemente montei um livro para um concurso e não ganhei a publicação, mas recebi uma proposta e publicação, abri até uma vaquinha online (para arrecadar dinheiro) porém não deu certo. Nem é tanto assim, mas não posso arcar com isso. Tem uma plataforma na internet em que podemos postar nosso livro, mas não sei.... sinto-me old school, sou das antigas: gostaria que me acontecesse algo similar ao que aconteceu à senhora, uma ajuda, um apadrinhamento para publicar.

Sinto-me parada ultimamente, já poderia ter feito algo, já poderia ter "corrido atrás" como dizem, mas não consigo. Essa expressão me irrita, não quero correr atrás de nada. Eu sei o que escrevo, sei que escrevo, sei que poeto, só tenho medo. É isso, é medo. Vivo com medo. 

Devo dizer-lhe que me encontro em tratamento psiquiátrico, sob o diagnóstico, que acredito precoce, de ansiedade/depressão leve. O que tenho, o que me acompanha a vida toda, além da poesia, é algo a mais que preciso investigar, saber, tratar; o que mais gosto é saber, ter conhecimento e sobretudo, nesse momento da vida, sobre mim mesma. 

Hoje escrevo assim, de repente, quando a musa pousa uma asa sobre mim, ou me toca de leve, e preciso abrir o computador e salvar no word, ou no bloco de notas, ou mesmo em alguma rede social a que esteja conectada no momento. Escrevo assim, à rodo, a revelia, aleatório. Mas nem é, é algo que vem, simplesmente. Quem sou eu para lhe explicar o processo de produção de poesia, não é mesmo? 

Minha bagagem também é boa, é grande, é rica. Só o que tenho é medo, tudo é medo, como eu já disse. Toda eu sou pensamentos retos, sobre responsabilidades a cumprir... Ah! devo também dizer-lhe o motivo do meu tratamento e afastamento do trabalho: sou professora, atacada pela sala de aula de uma forma contra a qual sucumbi, por fim. Encontro-me sem forças. Tenho sentido medo (preguiça e cansaço e depressão também) até de escrever aqui ou acolá. Tenho pensado em voltar a escrever cartas. Escrevo essa, ainda que digitada, pois não sei o endereço da senhora. Nem sei se este texto chegará até si.

Vou voltar a escrever a meus pais. Estou entristecida, eu preciso publicar, preciso me escrever. Escrevo desde os dez anos, se bem me lembro. Anos de sonho que coloquei nas mãos do universo, como se fosse acontecer um milagre. Nunca houve.

Desculpe importunar-lhe com as minhas lamúrias, porém acho que a senhora pode me compreender. Espero que esteja bem e fique bem. Responda-me se puder.

Grata pela atenção,

Rebeca Melo. 

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